quarta-feira, 13 de junho de 2012

Guerra colonial, um trauma "esquecido"


Guerra colonial, um trauma "esquecido"
REALIDADES
Pelo gabinete da psicóloga Teresa Infante, na Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), em Lisboa, passou em 2007 certamente mais de uma centena de ex-combatentes.
O trauma das experiências dramáticas que viveram na guerra, para a qual dizem não ir minimamente preparados, é praticamente comum a todos
”. Refere-nos a mesma Psicóloga, “De uma forma geral, todos os antigos combatentes que sofrem de stress pós-traumático, têm os mesmos sintomas. Foi tão intensa a experiência da guerra que não esquecem, mesmo passados mais de 30 anos desde os acontecimentos.
O “stress” pós-traumático é uma forma de ansiedade após um acontecimento extremamente traumático. Os sintomas são vários, nomeadamente pensamentos ou pesadelos relacionados com os traumas, medos, falta de apetite, ansiedade, depressão, insónia, alterações da memória e choro.
Alguns dos antigos combatentes procuram ajuda, contudo no Serviço Nacional de Saúde para obter apoio psiquiátrico ou psicológico não é fácil de encontrar, mesmo depois de o Governo ter criado, em 1999, a Rede Nacional de Apoio aos Militares e Ex-Militares, que entrou em funcionamento dois anos depois.
Também na instituição (ADFA), existem ainda militares que combateram nas guerras da ex-Jugoslávia e Afeganistão e que procuram ajuda.
Sem rede de apoio, familiar ou institucional, alguns dos ex-combatentes refugiaram-se no álcool e nas drogas, inclusivamente há quem viva hoje nas ruas de Lisboa.


PROBLEMAS COM O AVANÇAR DA IDADE
Com o avançar da idade, quando as pessoas se reformam ou, por qualquer motivo, ficam desempregadas, são quando os problemas têm tendência para se tornar mais graves.
"Está também associado à revolta que sentem numa fase mais avançada da vida, em que se sentem mais impotentes perante a doença e vêem que não têm reconhecimento por parte de quem poderia agora ajudar", Sónia Coutinho,  psicóloga da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra.
Citemos o caso do ex-combatente Jorge CoelhoJorge Coelho, cabo de transmissões em Angola de 1974 até ao final da guerra, que procurou apoio na APVG quando ficou desempregado.
"Na situação em que me encontro recordo com mais frequência os episódiosepisódios da guerra", conta. "Basta haver um dia em que se ande mais enervado, tem-se logo pesadelos. Acordo e vejo que não é nada, mas são sempre momentos complicados."
A psicóloga Susana Martinho de Oliveira confirma a relação directa entre fases de maior “stress” e o agravamento dos sintomas da PTSD. "É uma doença de altos e baixos. Há alturas em que eles melhoram, mas outras em que, perante situações de stress, pioram".
A DOENÇA PTSD
A PTSD trata-se de uma doença crónica, que se deve à exposição a situações consideradas excessivamente perturbadoras. Segundo Afonso de Albuquerque, os sintomas passam pela reviver dos acontecimentos traumáticos, através de pesadelos ou flashbacks, pela evitação sistemática dos estímulos associados, em que a pessoa se recusa a falar do assunto ou a ver filmes ou notícias de guerra, e por sinais de hiper-actividade neuro-vegetativa, demonstrados, por exemplo, em reacções de alarme motivadas pelo som de foguetes.
A DOENÇA DE ALZHEIMER
Um estudo norte-americano realizado a veteranos de guerra, questiona novas preocupações sobre os danos cerebrais ligeiros que milhares de soldados norte-americanos sofreram na sequência de explosões em conflitos porque é maior o risco de desenvolvimento de Alzheimer ou outra doença.
O estudo, apresentado no âmbito da Conferência Internacional da Associação Alzheimer, que decorreu em Paris (2010), desafia a actual visão de que apenas as lesões cerebrais moderadas e graves tornam as pessoas predispostas para a demência.
“Mesmo uma concussão ou uma lesão cerebral ligeira pode colocar a pessoa em risco”, afirmou a neuropsiquiatra Laurie Ryan, que trabalhou no “Walter Reed Army Medical Center" e que supervisiona a atribuição de apoios no âmbito da Alzheimer à terceira idade nos Estados Unidos.
Os investigadores analisaram registos médicos de 281.540 veteranos de guerra apoiados pelo Estado entre 1997 e 2000 e que tiveram pelo menos uma vez uma visita de acompanhamento entre 2001 e 2007.
As pessoas avaliadas no âmbito do estudo tinham pelo menos 55 anos, sendo que nenhuma estava diagnosticada com problemas de demência no início da pesquisa.
O grupo foi escolhido como amostra, uma vez que os problemas de demência se desenvolvem já numa idade avançada e os investigadores precisavam de casos suficientes para poder fazer comparações entre quem tem e quem não tem danos cerebrais.
Os registos mostram que cerca de 5.000 veteranos sofreram traumatismos cerebrais, desde concussões a fracturas cranianas.
Os militares terão de ser acompanhados de perto nos próximos anos, devendo ser-lhes facultado tratamento para o “stress” pós-traumático, depressão e outras patologias que podem conduzir a problemas cognitivos, dizem os peritos.
REGISTOS NA PRIMEIRA PESSOA
António Lopes,
"Ainda hoje tenho sonhos em que julgo que ando no mato aos tiros", conta o ex-combatente vítima de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD), vulgarmente conhecida como Stress de Guerra ou Stress Pós-Guerra.
Com dificuldade em lembrar-se do nome completo da doença,  António sabe que sofre de um qualquer trauma causado pela guerra. Sabe, também, que desde o dia em que chegou a Angola, e assistiu à morte de dois camaradas de armas. A partir daí, nunca mais voltou a ser a pessoa que era antes de daquele dia em que deixou o país de farda militar envergada.
Jorge Coelho,
Quando regressei, era uma pessoa completamente diferente" .
O ex-combatente conta que se tornou numa pessoa mais nervosa. "Quando eu era solteiro não era assim tão nervoso. Quando regressei, era uma pessoa completamente diferente", compara. "Muda-se muito. A cabeça começa a trabalhar demasiado e deixa de haver sossego", explica. E, na verdade, dizdiz com angústia, é a família que acaba por sair prejudicada.
Ex-alferes Henrique Vieira, um sem-abrigo de Faro,  
Este sem-abrigo de Faro, chegou com um sorriso rasgado e lágrimas nos olhos ao centro de reinserção social da Comunidade Vida e Paz, em Sobral de Monte Agraço.
Alferes na guerra em Angola (1970-1973), de 56 anos, paralisado e numa cadeira de rodas, não consegue extrair da memória as imagens da guerra.
A guerra não estava a terminar porque não sonhávamos com o 25 de Abril”.
 A pressão emocional, devido ao stress de guerra, tê-lo-á conduzido ao consumo de liamba e de bebidas alcoólicas, deixando-o num “estado de nervos”, que o levava “a correr com os filhos e a mulher de casa”, motivando o divórcio, que o separou para sempre da esposa.

MULHERES DOS EX-COMBATENTES

Nunca estiveram no Ultramar, mas vivem no seu quotidiano uma guerra que os maridos arrastam à 40 anos. As mulheres dos ex-combatentes herdaram sintomas do “stress” pós-traumático, uma doença "contagiosa" que lhes deixou marcas para a vida.
Numa troca de correspondência, juraram amor em tempos de guerra e desejaram chegar o dia em que os seus homens regressariam. Todas elas esperavam por eles, por quem se tinham apaixonado, mas viram e sentiram desembarcar homens sombrios, diferentes daqueles que tinham embarcado.
"Cheguei a ir a um bruxo, porque pensava que ele tinha alguma coisa do outro mundo dentro dele. Vinha diferente e ninguém sabia o que ele tinha, ninguém o reconhecia", recorda Lucília, que encontrou uma resposta no grupo de auto-ajuda da Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stresse de Guerra (APOIAR).

Fonte: Trabalho desenvolvido por Deolinda Brito, relativo ao estágio de 2010/2011 
Deolinda Brito, nº4, 2º ano 

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